Quatro medidas libertárias para o Brasil

No Brasil, nunca tivemos uma separação estrita entre a coisa pública e a coisa privada. O resultado: baixa liberdade econômica e baixa liberdade política. O presente texto parte dessa hipótese.

A proposta para o leitor é uma imersão em esquemas conceituais, o que deve ajudar aqueles que tiverem paciência. Ofereço um instrumental teórico para vocês discutirem sobre política com amigos e familiares, mas sob uma ótica libertária um pouco mais embasada em princípios (não, o PNA não será mencionado).

Sendo assim, a idéia é compreendermos não só a importância de algumas medidas libertárias mais concretas, mas também dominarmos a principiologia libertária que formam essas mesmas medidas concretas.

Por fim, partiremos para uma breve arqueologia teórica, mostrando algumas razões históricas para estes princípios libertários nunca terem se concretizado, até hoje, em medidas partidárias reais.

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Aliás, o resultado destas eleições de 2014 não poderia ter sido pior. Nenhum dos partidos ou qualquer um dos candidatos destas eleições defenderam um todo coerente de medidas minimamente libertárias, e o embate dos presidenciáveis ficou entre o pior e o menos pior.

Parte I – Medidas libertárias concretas

Antes de entendermos as raízes históricas do nosso déficit partidário, vamos justificar a importância de algumas bandeiras libertárias, para então relacioná-las com alguns princípios.

São raros os textos que tentam formar um arcabouço principiológico próprio – ainda que não exclusivo – do libertarianismo, e é isso que faremos. Assim, fica mais fácil do leitor compreender o que está em jogo, e a partir daí entrar em uma espécie de breve regressão histórica sobre a liberdade no Brasil.

O resultado final deverá ser: você estará familiarizado com medidas práticas e também com um tipo de reflexão mais abstrata, o que deve ajudá-lo a fazer as suas próprias reflexões. Se você não estiver tão familiarizado com o libertarianismo, ou preferir conhecer uma abordagem um pouco diferente do convencional, pode seguir a leitura.

Vamos começar, então, exemplificando 4 medidas concretas que deveriam ter aparecido, em um todo coerente, nestas eleições:

1.1) O fim da nociva guerra contra as drogas

Qual a justificativa dessa bandeira libertária? Do ponto de vista utilitário, o proibicionismo cria uma reserva de mercado que privilegia traficantes violentos, banindo a concorrência de empresas profissionais, mas fomentando o tráfico por parte daqueles que já estão à margem da lei.

Por exemplo, durante a Lei Seca, as bebidas alcoólicas foram amplamente contrabandeadas a preços bastante elevados, o que gerou verdadeiras fortunas para diversos gângster.

O mesmo ocorre com as drogas: traficantes enriquecem e são abertas inúmeras brechas para a corrupção, o que apenas estimula a violência (tanto a violência policial quanto a violência promovida por traficantes ricos).

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O fim da guerra contra as drogas diminuiria, ainda que temporariamente, o desbalanço entre o orçamento disponível para policiais e para traficantes, o que abriria uma janela de possível ataque contra a criminalidade.

É verdade que outras medidas – muito além do campo orçamentário – também seriam necessárias, mas creio que não veremos essas outras medidas enquanto o campo material do dinheiro prender as forças policiais em torno dos interesses financeiros trazidos pela guerra contra as drogas.

2.1) Usar o livre mercado para reduzir a pobreza

Qual a justificativa dessa bandeira libertária? O livre mercado representa o fim dos custos impostos pelo Estado ao empreendedorismo. Essa redução nos custos permitiria que as camadas financeiramente mais carentes iniciassem pequenas cooperativas, usando o empreendedorismo como uma ferramenta de mobilidade sócio-econômica e auto-capacitação.

James Tooley, por exemplo, escreveu um livro sobre como as favelas na Índia conseguiram se auto-educar através de escolas privadas de baixo custo, onde o desempenho destes estudantes foi superior ao desempenho de estudantes das escolas públicas.

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Ao invés do poder público privilegiar “campeões nacionais”, deveríamos permitir a emergência de uma cultura empreendedora, em todos os níveis sociais. Assim ficaria muito mais fácil surgir mais iniciativas como a ilustrada por Tooley no livro Beautiful Tree.

Além disso, o livre mercado beneficia consumidores, já que um aumento na concorrência tende a elevar a qualidade – ou reduzir o preço – dos bens e dos serviços, estimulando incrementos na produtividade de empresários e empreendedores.

3.1) A redução do banco central

Qual a justificativa dessa bandeira libertária? As instituições brasileiras foram desenhadas para serem frágeis, especialmente aquelas instituições que aparecem na relação entre o Banco Central e o sistema bancário.

E, com isso, quero dizer literalmente que as instituições brasileiras foram desenhadas para serem frágeis (nesse sentido, recomendo o ótimo livro “fragile by design”, que trata do design do sistema bancário brasileiro e mexicano).

Nossa moeda está monopolizada por um corporativismo que ganha com a inflação, com o crédito direcionado e com o espraiamento das dívidas. Uma livre competição entre as moedas e um Banco Central ao mesmo tempo com menos poderes e mais transparente, enraizaria um design voltado para a produtividade, concorrência e poupança.

4.1) A promoção de valores cosmopolitas 

Qual a justificativa dessa bandeira libertária? Simples. Nós conhecemos muito bem as tragédias que foram geradas tendo como base o pensamento revolucionário classista.

Nestas eleições, vimos a esquerda partidária tentando transformar regiões e minorias em classes, e boa parte da oposição comprou o convite à essa antítese. Vi muitos entrarem no jogo dialético dessa velharia ideológica paradoxal e sanguinolenta.

O que quero dizer com isso? O discurso classista à brasileira acontece quando alguém começa a destilar preconceito contra o Nordeste ou faz chacota dos movimentos sociais.

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Sabe quem ganha com esse tipo de discurso? O paternalismo estatal e o populismo partidário, ferramentas que foram aparelhadas pela esquerda para instrumentalizar tanto os programas sociais quanto os movimentos sociais.

O mesmo vale para as críticas contra a Bolsa Família. Chamar os mais carentes de alienados não é só uma insensibilidade tremenda (a mesma que fez o PT vencer, então se você pensa assim comece a fazer um “mea culpa”), mas é, também, usar o paradigma da “alienação”.

Sinto informar, mas você não está cognitivamente acima de nenhuma classe ou região. Isso sequer faz sentido. O cosmopolitismo libertário deve unir todas as regiões, dialogar com movimentos sociais e pensar em programas de redução da pobreza.

  Parte II: Novos princípios libertários

Por trás de cada uma das quatro bandeiras libertárias que ilustrei há princípios responsáveis por orientar a implementação concreta daquelas bandeiras.

E quais princípios são esses? Sem a pretensão de esgotar o tema, refleti um pouco e decidi utilizar a seguinte classificação:

1.2) Princípio da complexidade

A sociedade não possui centro ou vértice. Nesse olhar sociológico, a sustentação macroscópica da sociedade está em sua poli contexturalidade, isto é, no desenvolvimento de diferentes pólos sociais: um pólo seria o Direito, outro pólo a Economia, outro a Política, a Ciência, a Arte etc.

Essa fragmentação da sociedade em diferentes pólos ou sistemas sociais permite o desenvolvimento de uma lógica própria de cada uma destas instâncias, que passam a se especializar no tratamento de determinados temas.

O Direito, por exemplo, passa a ser um sistema especializado em colocar um fim, ainda que do ponto de vista meramente formal, nas questões sociais. Nesse sentido, a coisa julgada material estabelece um ponto final – do ponto de vista jurídico, e não moral ou econômico – nas discussões sobre um determinado contrato.

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E essa especialidade do Direito nasce através do contínuo desenvolvimento de instrumentos jurídicos, em um fenômeno que chamamos de autopoiese. Esse termo, apesar de ser meio exótico, nos conta aquilo que vocês já entenderam: elementos e estruturas jurídicas geram e aprimoram novos elementos e estruturas jurídicas.

É como uma espécie de versão cibernética da mão invisível: o Direito se auto-organiza através de feedbacks jurídicos responsáveis por estimular o contínuo desenvolvimento do próprio Direito.

insight da mão invisível estaria presente em todos os Sistemas: no Direito, na Ciência, na Arte… e agora começamos a compreender como esse princípio se relaciona com o libertarianismo.

Mas essa auto-regulação não implica em isolacionismo: os sistemas são especializados, mas interagem entre si. Em um caso de poluição ambiental, a Ciência oferece ao Direito peritos judiciais especializados em química e estatística, por exemplo. Então, quanto maior for o nível dessas interações entre os Sistemas, maior será a complexidade da sociedade como um todo.

Um nível elevado de complexidade social permite, por um lado, alcançarmos soluções cada vez mais sofisticadas. Mas quando um Sistema tenta desempenhar o papel de outro Sistema, essa especialidade se perde.

Na guerra contra as drogas, por exemplo, temos o Sistema Jurídico e o Sistema Político tentando desempenhar o papel especializado do Sistema Moral e do Sistema Econômico.

É por isso que a guerra contra as drogas não funciona: ela esvazia as soluções próprias de cada Sistema, fazendo com que decisões morais e decisões próprias de um processo de mercado sejam substituídas pela inadequada lógica política – através de políticas públicas e forças policiais embasadas em regras jurídicas.

Mas a lógica política da violência não é especializada em tratar da moral e do mercado. Muito pelo contrário.

Talvez agora as coisas estejam um pouco mais claras. Afinal, o que esse princípio tem a ver com o libertarianismo? É simples. Segundo o princípio da complexidade, quanto maior for a complexidade social, mais alternativas e possibilidades estarão disponíveis.

Se algo der errado, teremos alternativas; se um caminho se mostrou falho, poderemos experimentar novas rotas. E tudo dentro da especialização própria de cada Sistema.

Creio que este seja um raciocínio bastante adequado para o pensamento libertário: relações intersistêmicas que aumentem a complexidade social são desejáveis; mas relações intersistêmicas que tentem diminuir o grau de complexidade social são perigosas.

O socialismo, por exemplo, reduz a complexidade do sistema econômico, hiperpolitizando a sociedade (desbalanceando a complexidade entre a Economia e a Política).

A idéia de luta de classes é profundamente contrária a idéia de complexidade social, já que reduz a análise sociológica às classes, onde haveriam superestruturas a serem resolvidas por embates classistas.

É por isso que o cosmopolitismo libertário é muito mais interessante: libertários são amantes e admiradores da complexidade social, e por isso queremos livre migração, fim de preconceitos babacas etc.

Já no corporativismo, vemos a lógica econômica tentando manipular o poder público, e políticos tentando formatar a Economia de acordo com os desígnios estatais da violência centralizada. Como isso acontece? Por exemplo através da relação entre o Banco Central e o sistema bancário.

É daí que nasce a preocupação – que ilustrei com algumas medidas concretas de concorrência entre moedas – com as instituições do nosso país.

Viu só? O princípio embasa a defesa de medidas concretas, e forma uma espécie de “cultura” sociológica libertária. Ou algo assim.

2.2) Princípio da igualdade de autoridade

O princípio da igualdade de autoridade é auto-explicativo. Não há razões para elevarmos servidores públicos a um status de monopolistas intocáveis. Pelo contrário: devemos lutar em prol da igualdade de autoridade, onde o poder público não detém a capacidade de criar hierarquias sociais privilegiadas.

Sendo assim, se o judiciário pode “dizer o direito”, câmaras de arbitragem devem ter esse mesmo poder – desde que contratadas para tal.

Se o executivo pode desapropriar de acordo com o seu bel prazer – as vezes sequer sem o mote vago do “interesse público” –, então os particulares devem ter o direito de protestar contra determinadas medidas estatais interrompendo o pagamento de tributos, sob a justificativa do desatendimento dos interesses particulares que formam o interesse público.

E, se o legislativo pode promulgar leis, então todos os indivíduos devem ser capazes de se unir com os seus pares para formar uma nova e pequena unidade administrativa, a ser regida por leis independentes e locais.

As medidas pró livre mercado estão embasadas neste princípio da igualdade de autoridade. Para acabarmos com a falta de separação entre o bem público e o bem privado, precisamos de uma cultura que acabe com a subserviência do privado ao público, colocando-os em pé de igualdade.

Isso deve fortalecer as virtudes da coragem e da responsabilidade individual, ao invés de transferirmos a nossa força sempre para terceiros. Cientes de nossa própria autoridade, conseguiremos ir muito mais longe, já que com a igualdade da autoridade colocaremos em prática aquilo que o “interesse público” não é capaz de oferecer.

Libertários devem, portanto, saber instrumentalizar pelo menos esses 2 princípios – dentre vários outros –, concatenando-os em medidas concretas de acordo com cada situação.

Parte III: Raízes da política partidária 

Mas, então, o que faz o pensamento libertário estar tão distante da política partidária brasileira e, muito pior do que isso, da nossa cultura? Princípios guiados pela liberdade econômica e política não são importantes? É o caso de acharmos que o estatismo tem dado certo? Evidente que não.

Sendo assim, vejo pelo menos 3 importantes motivos históricos que explicam essa falta de liberdade econômica e política em nosso país, inicialmente mais relacionados ao liberalismo do que ao libertarianismo.

Esses motivos são: uma confusão entre as fases; a falta de oposição; e o homem cordial. Falemos, brevemente, de cada um desses problemas.

1.3) Confusão entre as fases

O Brasil nunca teve uma fase liberal em que o Estado seria o responsável pelas regras do jogo, com o mercado sendo o estrito responsável por produzir os bens e os serviços.

Ou seja, nunca formamos a dicotomia Estado/mercado de acordo com uma especificação bem delimitada e claramente distribuída entre o Sistema Político e o Sistema Econômico.

Quais as consequências?

É que sem uma fase liberal, a propriedade privada nunca atingiu os menos favorecidos. Nunca estabilizamos o conceito de propriedade privada ou, em outras palavras, nunca permitimos o livre auto-desenvolvimento do Sistema Econômico.

Muito pelo contrário: ao invés de servir como um eixo de mobilidade social e de prosperidade intersubjetiva, a propriedade privada tornou-se, aqui, uma ferramenta “materialista” para que uma elite pudesse comprar privilégios de um Estado sempre agigantado.

As relações intersistêmicas de nossa história estiveram contra, portanto, o princípio da complexidade.

Nesse sentido, talvez seja útil relembrarmos algumas importantes lutas traçadas no século XIX:

  • o abolicionismo;
  • a implementação do princípio do devido processo legal para conter o arbítrio público;
  • o cultivo do comércio;
  • o uso do contrato como uma figura jurídica capaz de trazer, por sí só, estabilidade às transações comerciais;
  • uma tripartição dos poderes dividida em um legislativo que produz regras claras, abstratas e gerais, ao lado de um executivo dotado de funções bem delimitadas e um judiciário ingenuamente compreendido na figura do juiz bouche de la loi.

Alguns países foram pioneiros nessas lutas, mas não o Brasil. Aqui, essas bandeiras liberais vieram tardiamente, com séculos de atraso, e ainda por cima de modo confuso, com interesses  antagônicos mitigando a implementação da maioria destes itens.

Então, se o século XX foi o berço dos movimentos sociais – principalmente dos sindicatos – e das lutas por melhores condições de trabalho, tendo como meio escolhido para atingir esses nobres fins as empresas estatais e a hiperjuridicação legislativa, foi o tipo ideal do século XIX que permitiu que todas essas questões sociais fossem conduzidas dentro de um processo de democracia capitalista, onde o livre comércio é que criou todo um novo paradigma de infra-estrutura.

E essa democracia capitalista nunca existiu no Brasil. Por isso, nunca pudemos ampliar o status elitista da propriedade privada: é que não tivemos instituições que assegurassem a própria existência de um processo de mercado que refinasse essa característica de nosso Sistema Econômico.

Essa falta de democracia capitalista está profundamente embebida, ainda que em uma aplicação um tanto anacrônica, no desrespeito ao princípio da complexidade.

Não permitimos que o Sistema Econômico se desenvolvesse, o que criou entraves e bloqueios à disseminação da propriedade privada em nosso país.

Talvez seja por isso que a idéia da privatização seja, no país, quase que um xingamento (e o período negro da ditadura militar também contribuiu para enterrarmos – ainda bem – o ideário da direita no país, o que infelizmente também arrastou a idéia de propriedade privada para o túmulo).

2.3) Falta de oposição

Nunca tivemos uma preocupação de controle e subordinação do poder público, onde por exemplo uma classe burguesa atuava como “oposição” a aristocracia feudal em prol do industrialismo.

Em outras palavras, o Brasil não passou por uma “revolução burguesa” propriamente dita, ao menos em seus termos clássicos.

No lugar de uma burguesia capaz de lutar contra a aristocracia feudal, tivemos apenas uma elite agrária escravocrata e submetida ao Império e, depois, uma obtusa “modernização varguista” trazida com tons populistas. Ou seja, ao invés de democracia liberal, nossos atores-chave do processo político-econômico nos levaram a um capitalismo de compadrio.

Tivemos exceções, como o Barão de Mauá? Sim.

O brilhante Irineu Evangelista de Sousa lutou contra a escravidão, implementou a primeira fundição de ferro, o primeiro estaleiro, a primeira ferrovia, levou iluminação pública ao atual estado do Rio de Janeiro e ainda por cima foi o responsável pela implementação de um cabo submarino telegráfico entre a América do Sul e a Europa (!).

E, claro, também tivemos José da Silva Lisboa. Mas estas grandes figuras históricas foram exatamente isso: exceções. E sabemos os destinos que essas exceções tiveram…

Ainda assim abrirei, aqui, um breve parênteses. Nunca tivemos uma forte oposição liberal no Brasil, mas passarei rapidamente sobre algumas exceções – sem esgotar o tema –, separando-as em períodos.

  • 1808 – A Corte bragantina conseguiu acabar com o monopólio comercial português, ao mesmo tempo em que abriu as fronteiras para estrangeiros residirem no Brasil. Nesse mesmo ano, o então futuro Visconde de Cairu conseguiu abrir os portos brasileiros ao comércio com outras nações, atendendo interesses liberais ingleses contra o bloqueio francês;
  • 1808 até 1823 – Hipólito José da Costa conseguiu, através de seu jornal, defender a liberdade de imprensa, trazendo propostas liberais para reformarmos as instituições monárquicas;
  • 1834 – Silvestre Pinheiro Ferrerira defendeu a idéia de uma representatividade por mandato, defendendo que a fixação dos deveres dos mandatários deveriam ser pautados pelos interesses dos constituintes desses mandatos. De certa forma isso foi uma crítica a falta de separação entre o mandatário enquanto pessoa e os interesses que os mandatários deveriam atender enquanto personas públicas;
  • 1831 até 1889 – Uma exceção curiosa foi o próprio D. Pedro II, que levou o regime monárquico brasileiro para uma direção mais liberal, o que é bem diferente da fórmula tradicional onde o monarquismo seria sinônimo de absolutismo. O grande problema é que o elitismo que pautou a propriedade privada, graças a falta de fases históricas melhor delineadas – vistas no item “1” –, continuou existindo mesmo neste período.

3.3) O homem cordial

Há quem defenda a existência de um fator que ao mesmo tempo explicaria e exponenciaria os itens “1” (fases “históricas” confusas e simultâneas) e “2” (poucos agentes vitoriosos no combate ao arbítrio do Estado).

As instituições brasileiras teriam sido geradas, conforme esse último argumento, dentro de uma herança portuguesa patrimonialista, ou seja, tivemos a importação de uma estrutura administrativa onde a propriedade da Coroa se confundia com o patrimônio próprio da esfera de bens íntima do Príncipe (o que veio para a colônia principalmente no período de transmigração da Coroa Lusitana, no século XIX).

Esse patrimonialismo português teria gerado instituições que, no Brasil, refletiam o perfil do “homem cordial”: aquele que é incapaz de fazer distinções entre o bem público e o bem privado.

Dito de outra forma, a lógica do homem cordial é, por um lado, direcionada pela “publicização” da esfera privada, ao fazer o Estado avançar nas mais diversas áreas para concentrar tanto poder quanto possível; e, por outro lado, a cultura do homem cordial dita uma “privatização” da esfera pública, o que acontece quando a própria pessoa física do burocrata passaria a incorporar a coisa pública como inseparavelmente pertencente aos seus domínios privados.

No Brasil, tal estrutura patrimonialista exemplifica perfeitamente uma histórica falta de igualdade de autoridade em nosso país. Os burocratas sempre puderam mais e nunca estiveram no mesmo nível da população, criando hierarquias que estavam além da própria esfera pública, relativizando a diferença entre o Estado e a iniciativa privada.

Burocratas sempre foram as grandes autoridades.

Vale adicionar que, se a estrutura patrimonialista do homem cordial veio da Coroa, a reprodução dessa estrutura talvez possa ser explicada seguindo o modelo de dominação tradicional weberiana (“é assim pois sempre foi assim”, com burocratas acostumados a vender favores públicos para benefícios privados, já que as esferas se confundiam), como se a cordialidade fosse um verdadeiro modo de legitimação do poder.

O desnível de autoridade no Brasil, na relação entre o público e o privado, emanaria dessa “cordialidade”.

Conclusão

Feitas essas breves explicações, é fato que o liberalismo clássico não é capaz de atender as novas demandas do século XXI, tais como:

  • o fim da nociva guerra contra as drogas;
  • usar o livre mercado para reduzir a pobreza
  • a diminuição do banco central;
  • a promoção de valores cosmopolitas.

Para sabermos como implementar essas propostas temos que estar cientes desse “déficit” de nossa história – composto por pelo menos três razões históricas –, mas sem querer resgatar um liberalismo que existiu apenas parcamente.

Ao invés disso, precisamos de experiências genuinamente brasileiras, em um libertarianismo que saiba propor medidas concretas, mas de modo bem refletido e guiado por princípios propriamente libertários.

Cada grupo libertário deve ter um trabalho de base especializado: alguns falarão com movimentos sociais, outros buscarão a ala partidária, outros refletirão sobre a cultura ou sobre a economia. Cada um trabalhando com maneirismos e termos próprios de cada instância, mas todos com a mesma linguagem comum. É assim que se imortaliza uma ideologia.

Nada pior do que um libertário que tenta resolver todos os problemas ou aplicando mecanicamente a mentalidade de um século XIX que sequer foi nosso, ou automaticamente concluindo o oposto daquilo que pensa a esquerda, sem qualquer reflexão.

Espero que esse texto tenha contribuído para a sua cosmovisão a respeito da liberdade no Brasil.

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