Desvalorizar para crescer: Será uma boa ideia? 📉

Há um (recorrente) debate em andamento entre os economistas brasileiros no que diz respeito à relação entre o crescimento econômico e a taxa de câmbio.

Uma corrente de economistas, a qual pejorativamente chamaremos de inflacionistas, argumenta que uma desvalorização cambial seria importante no momento atual para estimular as exportações e a produção industrial.

Desvalorização Monetária
Desvalorização Monetária

Essa corrente costuma encontrar seus adeptos mais ferrenhos nos corredores de institutos de economia de universidades tais como Unicamp e UFRJ, muito embora encontrar um inflacionista seja mais frequente do que se pensa. Um dos seus expoentes é o jurássico Luiz Carlos Bresser Pereira, sobre o qual já comentei num artigo escrito para o Clube de Vienna.

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Recentemente pudemos ver na Folha de São Paulo uma resposta do economista Samuel Pessoa ao famoso inflacionista Luiz Gonzaga Belluzzo (aquele mesmo do desastre do Plano Cruzado e ex-presidente do Palmeiras). Mesmo que Pessoa esteja argumentando contra Belluzzo, seu texto suscitou a necessidade de um pouco de fogo amigo.

Primeiro mostraremos as reais consequências de uma desvalorização cambial. Depois mostraremos porque a resposta de Pessoa à Belluzzo tem graves problemas, ao acreditar que outras variantes de subsídio podem ser a solução.

Poder de Compra e Taxas de Câmbio

Embora explicar decentemente a lógica de funcionamento de uma taxa de câmbio iria requerer muito mais tempo e caracteres do que estamos dispostos a fornecer, faremos um breve contexto.

O poder de compra de uma moeda consiste nos bens que uma unidade monetária é capaz de comprar, bens esses que podem ser bens presentes ou bens futuros (mercado a termo, por exemplo). Dentre seus determinantes temos: (1) oferta monetária; (2) oferta de bens; (3) demanda por encaixes monetários; (4) demanda por estoques de bens.

  • Quanto mais unidades monetárias passam a existir devido à ação dos bancos centrais e bancos comerciais sob o regime de reservas fracionárias, considerandotudo mais constante, menor será o poder de compra de cada unidade monetária. Isso porque nesse cenário os indivíduos que recebem as novas unidades monetárias irão comprar um estoque finito de bens utilizando as mesmas, pressionando os preços para cima.
  • Considerando tudo mais constante, quanto mais bens são produzidos, maior será o poder de compra da unidade monetária, conforme os vendedores aceitam preços mais baixos pelos bens adicionais. Crescimento econômico por si só, portanto, reduz preços.
  • Ainda considerando tudo mais constante, uma maior demanda por saldos em conta corrente ou papel moeda no bolso tende a aumentar o poder de compra da moeda. O incentivo para manter moeda disponível é a incerteza (caso contrário bastaria aplicar a juros e sacar quando previsto necessário), e os saldos adicionais podem vir tanto de uma redução de gastos em consumo ou gastos com investimentos.
  • Por fim, uma maior demanda por estoques de bens disponíveis reduzirá o poder de compra da moeda via redução da oferta de bens ofertados em troca de moeda a um dado preço. O incentivo para manter estoques de bens novamente consiste na incerteza – empreendedores ou consumidores consideram que a disponibilidade do bem vale mais do que vendê-lo por moeda.

Para todas essas deduções o raciocínio inverso se aplica – menor demanda por saldos em conta corrente e menor oferta de bens produzidos reduzem o poder de compra; menor oferta de moeda e menor demanda por bens em estoque aumenta o poder de compra.

Quando temos mais de um meio de troca, o poder de compra entre ambos se dará por via dessas quatro forças, porém dos dois lados. Forças que aumentam o poder de compra de uma moeda irão valorizar sua taxa de câmbio, e forças que reduzem o poder de compra da moeda irão desvalorizar sua taxa. O efeito líquido entre as oito (4×2) determinará se a taxa irá de fato valorizar ou desvalorizar.

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Regulando o sistema há a força da arbitragem. Bens que estão mais baratos até mesmo quando convertidos a uma dada taxa de câmbio irão migrar para onde estão mais caros e vice versa. A tendência é de equalização do poder de compra das moedas a uma nova taxa de câmbio.

Os especuladores podem até antecipar movimentos e tentar mover as cotações reduzindo ou aumentando a demanda por uma determinada moeda. Mas a força da arbitragem sempre estará lá como um norte.

Desvalorizar Câmbio Faz A Produção de Riqueza Crescer?

Conforme vimos, o poder de compra da moeda e sua derivada, a taxa de câmbio, nada mais é do que um preço de mercado. Este preço surge de acordo com as condições de oferta e demanda de bens e unidades monetárias na economia.

Produzir riqueza requer trabalho e capital (bens alocados numa estrutura produtiva). A taxa de câmbio é na verdade um reflexo da produção de riqueza real versus unidades monetárias.

Uma zona monetária que produz mais bens irá observar sua taxa de câmbio se apreciar. Conforme mais bens são produzidos, o preço dos bens cai e o poder de compra da moeda aumenta. A força da arbitragem faz com que esses bens sejam vendidos em outras zonas monetárias com preço mais alto, em troca de outras moedas. Isso aprecia a taxa de câmbio.

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Um exemplo. Imagine que a produção brasileira de cachaça aumente porque um método mais eficiente de produção foi descoberto.

Mais cachaça, tudo mais constante, significa cachaça mais barata. Suponha que a cachaça no Brasil cai de 10 para 5 reais, que nos EUA a cachaça inicialmente continua 5 dólares e que a taxa de câmbio ainda é de 2 reais por um dólar. Nesse contexto, vale a pena vender a cachaça por 5 dólares e depois comprar 10 reais com os dólares, obtendo 5 reais de lucro adicional.

Conforme mais pessoas fazem isso (vendem produtos baratos em troca de dólares e depois dólares em troca de reais), mais os preços caem em dólares e há uma oferta maior de dólares sendo ofertados em troca de reais. A tendência é o real se apreciar contra o dólar – e os especuladores tentarão antecipar esse movimento.

Há outra forma de vender mais produtos para o exterior sem que a produtividade interna aumente: é a desvalorização forçada da taxa de câmbio. É esse o método que os inflacionistas defendem para estimular a produção. Vejamos porque consiste numa tática fajuta.

O leitor pode brincar com os números – suponha que a tecnologia eficiente não tenha sido inventada, resultando na mesma quantidade de cachaça existente. Suponha então que a cachaça no Brasil ainda custe 10 reais e cachaça nos EUA a 5 dólares. Suponha agora o câmbio a 3 reais por dólar e verá que a cachaça será exportada com o mesmo lucro adicional de 5 reais (15-10).

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Para desvalorizar artificialmente o câmbio, conforme mostramos, é necessário reduzir o poder de compra da moeda. Trocando em miúdos, para que alguns bens se tornem mais baratos para o estrangeiro, todos os usuários do realsofrerão um corte em seu poder de compra. Defender desvalorização cambial é defender redução de salários reais.

Das oito forças citadas atuando, os planejadores econômicos centrais só são capazes de manipular – parcialmente – a oferta monetária.

Sua tática então é elevar a oferta monetária via Bancos Centrais e bancos comerciais com reservas fracionárias. O governo poderá até comprar diretamente dólares do mercado utilizando reais impressos para agir rapidamente sobre a taxa de câmbio.

Quais são as consequências básicas de um movimento que não adiciona nenhuma riqueza no sistema?

A primeira consequência é uma inflação de preços mais alta. Tudo mais constante, com mais moeda teremos preços mais altos no mercado interno (em reais). Isso fará com que bens externos mais baratos sejam comprados – no processo, cada vez mais reais serão ofertados em troca de dólares, desvalorizando o câmbio.

Especuladores tentarão antecipar o processo, comprando dólares e desvalorizando o real o quanto antes. Assim, importações encarecerão o quanto antes, reduzindo a oferta de bens disponíveis para os usuários do real, aumentando os preços.

A segunda consequência é favorecer alguns setores e indivíduos capazes de vender bens para o exterior e prejudicar a massa restante de indivíduos que compram (ou potencialmente poderiam comprar) bens do exterior. Algumas cadeias locais de produção ligadas à exportação serão incentivadas, porém à custa dos consumidores desses mesmos bens, que poderiam obter os mesmos bens de forma mais barata.

Isso implica em insumos produtivos sendo drenados de cadeias de produção que produzem outros bens. O fato de essas outras cadeias fornecerem produtos com maior lucratividade antes da desvalorização cambial significa que se tratava de produtos demandados com mais urgência pelos consumidores. Ou seja, os consumidores em geral novamente perdem, para que uma minoria de exportadores ganhe.

Conforme havia dito em meu texto anteriormente citado:

“Trocando em miúdos, uma desvalorização cambial consiste num imposto. No curto prazo, a produção de certos produtos dentro dessa área geográfica pode até aumentar. Mas de que adianta se ela não será consumida por aqueles que se sacrificaram para produzi-la e vende-la mais barato? Os únicos ganhadores são os usuários da moeda valorizada e os donos das mercadorias exportadas, que aumentam de valor artificialmente.”

Samuel Pessoa – Medo de Acertar No Alvo?

Aos olhos desatentos, o primeiro parágrafo do texto de Samuel Pessoa poderia encerrar a discussão com Belluzzo:

“Não há evidência de que a indústria de transformação seja especial sob algum critério. Isto é, não há evidência de que o retorno social da atividade industrial seja maior que o da agricultura, o da pecuária, o da indústria extrativa mineral ou o das diversas atividades do setor de serviços.”

Ele segue sua linha argumentativa:

“Todas as atividades têm seu valor econômico definido pelo seu impacto no produto total. Desse ponto de vista, todas as atividades são igualmente importantes e seu impacto para o crescimento econômico é corretamente medido pelo seu impacto no produto.”

Mas rapidamente ele se contradiz e recua para uma linha de argumentação que poderia ser adaptada para defender desvalorização cambial em favor da indústria de transformação:

Por Que Samuel Pessoa Errou?

Trata-se de um erro primário em economia: teoria do valor. Valor é subjetivo e diz respeito à ação individual. Valor é conferido apenas por indivíduos no decorrer de uma ação. Um individuo valoriza um meio contextualmente em função das finalidades as quais ele pretende atingir usando o meio.

Samuel Pessoa argumenta mal porque cria um conceito mítico, o de “retorno social”. Tal conceito inexiste no mundo real, no qual há indivíduos e empresas agindo e avaliando subjetivamente bens e trocas a todo instante.

Atividades não têm seu valor econômico definido pelo seu impacto no “produto total”. Mesmo porque numa sociedade na qual de produção e trocas privadas o conceito de produto total é duvidoso. Cada agente possui um valor distinto para uma dada unidade de bem de acordo com suas finalidades próprias.

A produção não é feita por um ente supremo (a “sociedade”) para maximizar o produto total – seja lá do que ele for composto. Quem produz são indivíduos e firmas em regime de divisão do trabalho. Eles se especializam na produção de determinados bens para elevar sua produtividade e obter um maior poder de compra de sua produção.

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As duas “exceções” que Pessoa levanta são duas miragens – as mesmas existem apenas se os míticos conceitos de “retorno social” e “produto total” forem aceitos.

No caso de subsídios para a inovação tecnológica temos um grande caso de experimentação mental sem muito sentido prático ou rigor lógico.

Em primeiro lugar, todo empreendedor inova constantemente. Todo indivíduo, ao agir, busca constantemente meios mais eficientes para atingir suas finalidades. Qualquer tentativa de alteração em processos produtivos de um mesmo produto, ou produção de novos produtos consiste numa inovação.

O combustível para essa inovação é inerente à atividade empresarial e consiste nos lucros potenciais gerados ao atender eficientemente demandas de consumidores até então não atendidas ou demandas sequer concebidas.

Falar em subsídios para a inovação ignora o fato básico de que os recursos são escassos, e um dado nível de renda e consumo demanda uma determinada previsibilidade de oferta.

Redistribuir forçosamente recursos para investimentos mais especulativos, especialmente na produção de bens de fronteira tecnológica, no início das cadeias produtivas, iria em direção contrária ao sinal real de mercado (fornecido pelas taxas de juros mais altas) em favor da produção de mais bens de consumo e investimentos mais conservadores.

Redistribuir forçosamente recursos para que alguns empreendedores privilegiados possam experimentar novos métodos de produção ou novos produtos envolve um risco que nem todos podem ou desejam correr – caso contrário, os pagadores do subsídio já estariam comprando ações de empresas de fronteira tecnológica ou de mercados de rápida mudança.

Se não sabemos os resultados de uma tentativa de inovação porque deveríamos sequer sujeitar uma parcela da população a forçosamente subsidiar os custos e riscos inerentes? Simplesmente porque numa construção mental aleatória os lucros dos projetos serão propositalmente maiores que os custos?

Como diz a boa educação financeira, uma pessoa só pode correr riscos com investimentos usando dinheiro que ela pode e está disposta a perder.

Os inflacionistas acreditam que basta redistribuir poder de compra aos estrangeiros para elevar exportações e gerar maior produção, principalmente de bens industriais. Já Samuel Pessoa sugere que meia dúzia de burocratas confisque e redistribua recursos com o mero critério de que os receptores tentarão fazer “algo diferente e mais valioso”.

No caso dos subsídios educacionais a questão é ainda mais simples. Existe demanda e oferta de conhecimento. A demanda pode ser meramente para consumo individual (por exemplo, conhecimento cultural) ou pode ser uma demanda por conhecimento a ser utilizado em processos produtivos.

Havendo a demanda, a função do mercado é fornecer esse conhecimento aos demandantes. Isso requer o uso de recursos escassos. É necessário que um detentor do conhecimento demandado dedique parte de seu tempo a sua disseminação. Em alguns casos, é necessário o uso de equipamentos técnicos caros no processo de ensino.

Falar que há um nível sub-ótimo de crédito estudantil é ignorar que o fornecimento de conhecimento é um recurso escasso, e o mesmo deve ser precificado como qualquer outro. Em outras palavras, falar que existe um nível sub-ótimo é cair na “nirvana fallacy” de que existe um nível ótimo.

Injetar recursos num sistema educacional significa retirar recursos de outros setores. Setores que os próprios agentes do mercado, através de suas ações visíveis, consideram mais valiosos do que conhecimento adicional.

Um crédito estudantil não necessariamente precisa usar os salários futuros como colateral. Ele pode usar bens reais, como imóveis da família ou carros. Ou pode ser feito sem colateral – mas com taxas mais altas, refletindo o risco.

Pedir subsídios para o crédito estudantil é ignorar a escassez de poupança no Brasil (a qual o próprio Pessoa menciona no final). Afinal, se podemos pedir subsídios para o crédito estudantil, porque não podemos pedir, conforme os inflacionistas desejam, crédito para a indústria de transformação?

Ao invés de consumir, as famílias poderiam poupar mais para dependerem menos do crédito estudantil no futuro – nos EUA é comum famílias constituírem poupança para pagar pela educação dos filhos no futuro.

No contexto do Brasil atual, no qual muitos recursos são desperdiçados num sistema educacional completamente ineficiente (em termos de custos e matching entre conhecimento demandado e ofertado), é possível pensar que muitas pessoas seriam capazes de obter maiores salários e conhecimento fora do sistema formal de ensino.

Muitos jovens expostos ao ensino público formal, de qualidade duvidosa, poderiam, por exemplo, dedicar mais tempo ao mercado de trabalho ao invés do sistema educacional formal. Isso possibilitaria obter de forma mais eficiente o conhecimento demandado pelos processos produtivos, desaguando em aumentos salariais num tempo mais curto do que cursando, por exemplo, um bacharelado subsidiado em administração de empresas.

Precisamos Mesmo Rodar Incontáveis Regressões Para Concluir o Óbvio?

Pessoa passa então a uma descrição de experimentos estatísticos sobre a relação entre crescimento econômico e desvalorização cambial:

Conforme mostramos aqui, a desvalorização cambial artificial gera inflação de preços e redistribuição de renda e riqueza em direção a uma minoria. Ela não gera aumento na produtividade econômica. Trata-se de uma constatação lógica, que se baseia em premissas simples e ligadas ao mundo real.

O uso de métodos estatísticos é inútil para chegar a conclusões que podem ser obtidas através de raciocínio lógico a priori. Se há correlação histórica entre crescimento da produtividade e desvalorização cambial, sabemos via filtro lógico que se trata de outros fatores não considerados na análise inicial.

Acabando Em Pizza – Poupança É O Caminho!

Por fim, queremos registrar nossa concordância com Pessoa em seu parágrafo final:

De fato, aqui reside uma solução para o problema do crescimento e da produção industrial em estagnada. Conforme o gráfico abaixo, a taxa de poupança (que já é baixa quando comparada a outras economias de renda média e baixa) se encontra em queda livre, o que pode nos ajudar a entender nossa situação atual.

Quanto maior a taxa de poupança (ou seja, menor a taxa de consumo) em relação à renda, mais recursos tendem a ser disponibilizados para investimentos que elevam a produtividade. Isto acontece via um processo de rearranjo setorial nas taxas de lucro – o qual busquei explicar formalmente em outras ocasiões.

Ao invés de financiar a produção de bens de consumo, menos consumo fará com que os empreendedores aloquem mais insumos produtivos escassos para a produção de bens em serviços que visem à redução de custos nas cadeias produtivas.

Com mais poupança, investimentos em infraestrutura, logística e inovação técnica se tornarão mais atrativos do que mais investimentos na produção de mais bens de consumo (utilizando a mesma capacidade de infraestrutura física e tecnologia). Em suma, mais poupança hoje tende a garantir um nível de produção e renda mais alto no futuro.

Mas tentar convencer um inflacionista destes fatos é como falar grego. Por isso Samuel Pessoa que me perdoe pelo fogo amigo a seu texto!

[1] Quando há reservas internacionais, é possível manipular parcialmente no curto prazo a oferta e demanda por moeda estrangeira. O governo brasileiro tenta fazer isso via swaps cambiais. Mas no contexto global o Banco Central Brasileiro não é capaz de comandar a dinâmica das cotações.

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